Por Vera Lúcia Dias
Psicóloga, Mestre em Psicologia Clínica. Psiconcologista, Terapeuta do Luto e autora de vários livros


Podemos definir o assédio moral como uma patologia organizacional que corrói e degrada as condições de trabalho, a saúde mental dos indivíduos, envenena as relações sociais e que necessita ser prevenida e tratada nos três níveis que ela alcança: a pessoa alvo ou vítima, o agressor e o contexto que tolera ou até encoraja a existência desse tipo de violência. 

Como toda patologia, provoca sintomas físicos e psicológicos. A ansiedade, medo, pânico, insegurança, instabilidade emocional e insegurança comuns nos quadros de estresse podem levar à sudorese, palpitação, aumento da pressão arterial, dores de cabeça, distúrbio de sono e outros, acabam por deixar sequelas como a diminuição da autoestima e autoconfiança, traumas, depressão, despertam núcleos pessoais latentes e provocam uma percepção negativa do ambiente de trabalho que tende a afetar sua produtividade com maior frequência de erros e faltas. 

Organizacionalmente falando, uma empresa prejudicada pela “fama” de nada fazer contra os assediadores pode, a médio e longo prazo, arcar com os prejuízos de uma alta rotatividade de funcionários. Afinal de contas, quem se sente atraído, ou mesmo deseja permanecer em um local que permite humilhações, constrangimentos, intimidações, ameaças, sobrecarga de trabalho, discriminações, abusos de autoridade, boatos e calúnias, mesmo que ofereça bons salários? Sem contar que tais práticas podem desaguar em ações trabalhistas passíveis de indenizações pelos danos morais causados pelo assédio moral, independentemente do nível hierárquico do agressor. 

Embora a literatura especializada aponte formas de intervenções junto ao assediado (aconselhamento, grupo de apoio, estratégias de reabilitação, ouvidoria, atendimento com técnicas específicas e grupos de autoajuda) e também ao assediador (conversas, solicitação de mudança de comportamento, coaching específico, distanciamento do assediado e demissão), os psicólogos  relatam que práticas esporádicas não costumam ser efetivas se não forem consideradas as variáveis do clima e da cultura organizacional. Afirmam que mais importante do que agir depois da ocorrência dos fatos, é atuar preventivamente, evitando que o assédio se torne algo institucionalizado e, consequentemente, aceito e naturalizado. 

Como podemos ver, o combate à questão do assédio moral é mais profundo do que simplesmente levar a questão ao psicólogo da empresa, desconsiderando o contexto adoecedor. “O buraco é mais embaixo”, como se diz popularmente, porque além do trabalho do psicólogo para ajudar a vítima a reconhecer, enfrentar o assédio e trabalhar os núcleos que estão sendo por ele afetados, os colegas de trabalho e a organização como um todo, tem o papel de apoiar e validar a queixa da violência sofrida sem reduzi-la a uma questão meramente pessoal e sem consequências emocionais. 

Aos líderes empresariais cabe, juntamente com seus setores de Recursos ou Talentos Humanos, estarem atentos a essa prática em seus quadros respeitando e divulgando a legislação referente ao assunto por meio de treinamentos, comunicações e iniciativas para diminuir o ingresso ou a ascensão de profissionais com valores não alinhados aos da organização. 

Devem também criar estratégias para detectar desvios na comunicação corporativa, estimular a manifestação de irregularidades com canal de denúncias, avaliações de desempenho periódicas, entrevistas de desligamento – um ótimo momento para saber os reais motivos do mesmo – e contar com processo de investigação especializado, sério e com resultados efetivos. 

As intervenções preventivas desenvolvidas até então, não costumam ser exclusivas para os casos de assédio moral e buscam boas práticas relacionadas ao bem estar pessoal, com relações claras, assertivas e de respeito aos subordinados.  Elas podem ser primárias por meio de políticas de avaliação e redução de riscos ou de assédio; secundárias, por meio de programas de capacitação, inquérito dos trabalhadores e resolução de situação de conflitos ou terciária que, por sua vez, objetiva a redução de danos e tratamento dos envolvidos no caso, quando o problema já está instalado. 

Tais intervenções devem conter elementos que considerem a diversidade, estilos de liderança, administração de frustrações e conflitos explicitando clara e nitidamente as responsabilidades para que possam reeducar valores, tornar a cultura institucional mais saudável, decente e sem ambiguidades. O princípio fundamental deve ser um Código de Ética que aborde o respeito, a igualdade social e a forma como devem ser cobrado os resultados dos colaboradores, bem como explicite as práticas que não devem ser toleradas. 

Para encerrar, diante de uma questão tão complexa, gostaria de ressaltar que o trabalho do psicólogo nesse contexto é bastante árduo por correr o risco de sucumbir às exigências da empresa em detrimento do olhar humanizado proposto pelo nosso Código de Ética Profissional (2005). Independentemente de onde estejamos, nos é preconizado buscar sempre promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e da coletividade, contribuir para a eliminação de toda forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão e, em relação ao assédio, sem nos aliarmos ao silêncio dos cúmplices e ao conformismo que se omite diante do sofrimento das pessoas nas organizações de trabalho.