JORNALISTA HELENA CUNHA
Nos últimos anos, a Síndrome de Burnout ou Síndrome do Esgotamento Profissional tem ganhado destaque nas rodas de conversa e nos consultórios de psicólogos. A relação direta dessa condição com o ambiente de trabalho tem preocupado profissionais de diferentes áreas. A Organização Mundial da Saúde destaca que no mundo uma em cada oito pessoas vive algum tipo de transtorno mental, quase 60% dos casos são de ansiedade e 31% depressão. A OMS alerta para os impactos sobre o mercado de trabalho e a sociedade; perda de produtividade, maior risco de acidentes, redução de receitas, desempregos e elevação de custos sociais. A Associação Internacional de Gestão de Estresse estima que no Brasil 32% dos profissionais sofram com o esgotamento no ambiente de trabalho. Esse valor é superior a 1/3 do total de trabalhadores, os quais podem estar próximos de um colapso ou uma depressão.
Conversamos com a psicóloga Alci Cabral para entender mais sobre essa síndrome, como preveni-la e enfrentá-la.
Alci Cabral
De acordo com a especialista, o Burnout se destaca pela sua origem: está diretamente relacionado ao ambiente de trabalho ou às atividades profissionais estressantes. Enquanto a depressão afeta diversas áreas da vida, manifestando-se por meio de tristeza persistente e perda de interesse em atividades antes prazerosas, o Burnout é caracterizado pela fadiga extrema, desmotivação com tarefas profissionais e distanciamento emocional do trabalho. A ansiedade, por outro lado, reflete preocupações excessivas e persistentes que podem ser desencadeadas por diversos fatores. Embora também afete a rotina profissional, não está exclusivamente vinculada a ela como no caso do Burnout.
Alci Cabral explica que o Burnout geralmente evolui de forma gradual, com o estresse crônico em ambiente de trabalho, que se mantém por um tempo prolongado. “Sinais como irritabilidade, cansaço frequente, distúrbio de atenção e dificuldade de concentração surgem primeiro. Sem intervenção, esses sintomas podem se intensificar, evoluem para exaustão emocional, distanciamento interpessoal e queda no desempenho profissional. Embora menos comum, há situações em que o Burnout surge de forma mais rápida, especialmente em casos de mudanças bruscas ou pressão extrema no trabalho”. Ainda segundo a psicóloga, pessoas perfeccionistas, autocríticas e com dificuldades de estabelecer limites estão mais vulneráveis ao Burnout. Outros fatores incluem a necessidade de aprovação, dificuldade em delegar tarefas e baixa resiliência ao estresse. Ambientes profissionais exigentes potencializam os riscos e favorecem o desenvolvimento do Burnout.
A gerente administrativa Ana Paula Pimentel, de 33 anos, sofreu com a pressão no trabalho e viveu tempos difíceis com a Síndrome de Burnout. Com cobranças da chefia, aliada ao perfeccionismo e a necessidade de agradar e de ter aprovação, se viu com crises de ansiedade graves e falta de interesse pelo trabalho que tanto amava. Após semanas de sintomas, foi alertada por uma amiga de que a situação não estava normal. Mesmo relutando, resolveu procurar um médico e foi diagnosticada com Burnout. Ela foi encaminhada para a terapia e após alguns meses de tratamento já se sente melhor. Entendeu o que estava causando o problema e consegue se impor limites. “Não imaginava que querer fazer sempre um bom trabalho e me destacar para obter um crescimento profissional me adoeceria mentalmente. Hoje entendo que tenho meus limites e que nem tudo está no meu controle. Tenho ainda um bom tempo de tratamento, mas agora já me sinto bem melhor”, comenta Ana Paula.
Raquel Batista Santana viveu na pele os impactos da Síndrome de Burnout
A publicitária Raquel Batista Santana viveu na pele os impactos da Síndrome de Burnout. Trabalhando no setor de marketing de uma empresa, ela enfrentava uma rotina marcada por cobranças excessivas e um ambiente tóxico. Segundo Raquel, o dono da empresa tinha atitudes abusivas, desmerecia o trabalho da equipe e constantemente os colocava à prova, gerando um clima de insegurança e tensão. "A empresa em si era muito desorganizada. Os processos eram mal feitos, a liderança não tinha preparo e o time de RH não prestava suporte. Era o ambiente propício para enlouquecer", conta. Ela lembra que todos evitavam o dono da empresa, pois ele agia como uma "criança mimada", insistindo que tudo fosse feito à sua maneira. A pandemia agravou ainda mais a situação. O dono debochava das medidas de segurança, comparecia ao trabalho sem máscara e ignorava os riscos. O impacto emocional foi intenso para toda a equipe.
Os primeiros sintomas surgiram com fortes dores de cabeça. "Pela manhã, parecia normal, mas por volta das 10h a dor se tornou insuportável. Cheguei a vomitar de dor. Era como se minha cabeça estivesse sendo esmagada por um rolo compressor", relembra Raquel. O episódio a levou ao hospital, onde ficou na fila por mais de oito horas antes de receber atendimento e, finalmente, o diagnóstico de Burnout. Mas os sinais já estavam presentes antes disso. Ela notou mudanças físicas, como pele seca, olhos pulsando com frequência, aparecimento de cabelos brancos e cabelos secos, mesmo utilizando produtos específicos. Consultou dermatologistas e oftalmologistas e a resposta foi sempre a mesma: estresse. O ápice do esgotamento veio com o episódio da dor de cabeça extrema. Durante a terapia, ao ser questionada sobre o que pensava no momento da crise, Raquel percebeu que seu único pensamento era "preciso voltar para o trabalho". "Foi horrível", desabafa.O caso de Raquel é um exemplo real dos danos que um ambiente profissional tóxico pode causar na saúde mental e física dos trabalhadores.
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é uma das abordagens mais eficazes para tratar o Burnout. Por meio dela, é possível identificar e modificar padrões de pensamento disfuncionais que contribuem para o esgotamento. “A TCC trabalha a reestruturação cognitiva, ajudando o indivíduo a lidar melhor com cobranças excessivas e perfeccionismo, além de desenvolver estratégias saudáveis de enfrentamento, como organização de tarefas e estabelecimento de limites,” destaca Alci Cabral. Para prevenir o Burnout, sugere estabelecer limites claros entre vida profissional e pessoal. “Praticar exercícios, manter uma alimentação equilibrada e garantir o sono de qualidade são medidas essenciais. Mas, em alguns casos, é necessário ir além, como ajustar rotinas e até considerar mudanças no ambiente profissional,” alerta.
O impacto do home office e da “hustle culture” A flexibilização do trabalho e o uso excessivo de tecnologia tornaram a separação entre vida pessoal e profissional mais difícil, aumentando os casos de Burnout. Soma-se a isso a “hustle culture”, que promove a ideia de que o sucesso exige dedicação constante. “Essa cultura é altamente prejudicial, pois estimula jornadas excessivas e negligência com o autocuidado, levando ao esgotamento,” explica a psicóloga. Ela sugere priorizar pausas, estabelecer limites e buscar um equilíbrio entre produtividade e bem-estar. A prevenção e o enfrentamento do Burnout exigem autoconhecimento, mudanças de hábito e, muitas vezes, apoio profissional. Equilibrar as áreas da vida, respeitar os limites do corpo e da mente e cultivar momentos de lazer são passos fundamentais para proteger-se do esgotamento. Afinal, a vida não é apenas sobre trabalho; é também sobre viver com plenitude.