Por Lis Oliveira


Já faz quase 25 anos, mas basta um instante para que eu reviva com clareza a época em que meu pai faleceu: a certeza de que ele sobreviveria; a incredulidade; a sensação de impotência. Depois, um longo período de inércia, como se o tempo tivesse parado. A morte de um grande amor traz esses sentimentos e sensações que, acredito, nos fazem sentir nossa natureza profundamente. O luto é uma vivência pela qual passamos diversas vezes ao longo da nossa vida na Terra. 

Conversando com outras pessoas que já passaram por experiências parecidas, vemos que a gente muitas vezes não entende o ocorrido e a dor não passa, porém se transmuta em saudade constante. Hoje tenho consciência de que conversar ou mesmo apenas se confortar com pessoas que compartilham a nossa perda é importante e saudável. Podemos não conseguir verbalizar algumas sensações, mas só de estar próximo de quem sente o mesmo é de grande valia.

O luto acontece também em outros âmbitos, seja no final de um relacionamento, mudança de cidade, de emprego ou qualquer encerramento de um ciclo. Da mesma forma, é bom tirar um tempo para organizar os sentimentos, refletir e até fazer algum tipo de cerimônia, que pode ser íntima e solitária, para digerirmos melhor os acontecimentos. 

Viver é difícil mesmo; lidar com os sentimentos na medida que enfrentamos as adversidades é desafiador e eu quero aproveitar o espaço para tocar em um luto muito específico que é a perda de um bebê, a interrupção de uma gestação. Infelizmente posso falar por experiência própria que a sociedade geralmente lida com isso de forma equivocada, diminuindo o sofrimento em si e tendendo a silenciar a mãe, com afirmações do tipo “ah, mas vocês ainda são novos” ou “você vai conseguir ter outro” e frases parecidas com um “não era pra ser”. Conversando com outras mães que abortaram, sei que foi muito dolorido pra elas ouvir tais frases como consolo, então que fique como conselho deste texto: apenas acolha. Há momentos em que palavras ao vento não ajudam. Cada gestação é única e, por mais curta que pareça ser, envolve um mundo de hormônios e expectativas e preparações. A melhor forma de confortar alguém nunca é comparando o seu sofrimento com o de outrem ou simplificando sua dor. Lidar com a dor nos faz crescer; vamos lidar com ela da melhor forma (ou da forma possível), que pode ser simplesmente deixando fluir. 

O luto vai e vem como as ondas do mar... Como a vida.