Ricardo Almeida


O acordo internacional que regulamenta o acesso aos recursos genéticos e à repartição dos benefícios advindos de sua utilização, mais conhecido como Protocolo de Nagoia, estabelece as diretrizes para as relações comerciais entre o país provedor de recursos genéticos e aquele que vai utilizá-los. Trata-se de um documento criado pela Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), em 29 de outubro de 2010, na cidade de Nagoia, Japão. 

O Protocolo de Nagoia também prevê o pagamento de royalties, financiamentos de pesquisa, transferência de tecnologia, entre outros benefícios da relação comercial entre os países. O acordo entrou em vigor em 12 de outubro de 2014, e contempla o uso de recursos genéticos (plantas, animais e microorganismos) e de conhecimentos tradicionais associados a eles. 



O Brasil, que é o país com maior diversidade biológica do mundo, confirmou sua participação no acordo no dia 4 de março de 2021.  De acordo com a agência de notícias do Senado Federal, os países exercem soberania sobre os seus recursos genéticos, sendo que qualquer exploração, feita por empresas ou organizações estrangeiras, fica condicionada à autorização dos países detentores desses recursos. 

Nesse sentido, o Protocolo estabelece que os lucros resultantes da produção e comercialização dos produtos originados de recursos genéticos deverão ser obrigatoriamente compartilhados com o país de origem. Vale ressaltar que o mesmo documento faz referência e inclui na repartição de benefícios a cadeia de provedores e usuários dos recursos genéticos, a exemplo das comunidades locais e indígenas, pesquisadores e indústrias. O que implica dizer que o próprio país detentor deverá obter consentimento prévio e garantir participação desses grupos para acesso aos recursos genéticos a serem comercializados. 



A Agência Brasil ressalta que o engajamento do governo e o compromisso estabelecido entre representações do agronegócio e da área ambiental propiciaram a conclusão do processo de ratificação do acordo internacional e que entre as regras estabelecidas no acordo está a determinação de que cada país adote medidas legislativas, administrativas ou políticas que deem segurança jurídica e produza transparência, implementando normas e procedimentos justos e não arbitrários sobre o acesso aos recursos genéticos. 

Tendo em vista as exigências mencionadas, cabe saber se o Brasil está preparado para cumpri-las, já que por mais de cinco séculos não tem exercido a lição de casa em relação a procedimentos justos e não arbitrários aos povos do campo, detentores dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade brasileira, que ora está sendo negociada com o estrangeiro. 

O Estado proclama que ratificar o acordo foi um avanço importante para a economia do Brasil. A indústria declara ser esta uma grande oportunidade para o país, pois o patrimônio genético é de grande valia para o desenvolvimento de cosméticos e medicamentos. Só não ouvi a declaração das comunidades do campo, tão citadas no processo diplomático e nas entrelinhas do acordo. 

A partir dessa percepção, vale destacar para reflexão alguns questionamentos sobre o assunto: 1) será que o Brasil está realmente preparado para atender os termos do acordo, que ordena transparência e justiça no acesso aos recursos genéticos? 2) O Brasil é capaz de reconhecer os verdadeiros detentores dos conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos brasileiros, respeitando os direitos que eles têm neste acordo? 3) Podemos confiar que esse é um modelo em que todos ganham: comunidades do campo, empresas, governo e população?



Ricardo Almeida

Doutor em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Mestre em Inovação Tecnológica. Especialista em Gestão de Pessoas e Negociação Coletiva. Atua nas áreas de Desenvolvimento Humano e Educação Ambiental. 


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