Evelyny Teixeira é a primeira mulher a gerar um bebê por útero de substituição em Uberaba


Jornalista Isabel Minaré

Fotos: arquivo pessoal


“Minha filha corria de um lado para o outro brincando com as crianças. Bruna não tirava os olhos dela. Perguntei porque ela não tinha filhos. Disse que estava fazendo tratamentos, mas não conseguia engravidar”, conta a manicure Evelyny Teixeira. A conversa fez parte do primeiro encontro dela com a dentista Bruna de Castro. Naquele instante, nenhuma das duas sabia que faria parte da vida da outra para sempre. 

Esta é uma história de amor. Mas não do tipo de novela, mesmo este tema já ter sido abordado em “Barriga de Aluguel” (1991) e “Amor de Mãe” (2019). É um amor às pessoas, aos ideias, à vida. Um amor chamado filho. Tudo começou de forma despretensiosa. Evelyny ouviu que uma conterrânea de Mato Verde (MG) havia gerado um bebê por útero de substituição. “Também gostaria de ajudar alguém, caso tivesse oportunidade”, pensou. Casada com o policial penal Juscelino Maktub, mãe de três filhos (Crysthal, Brayan e Ágattha, de 13, 10 e 04 anos, respectivamente) e madrasta de três (Lucas, Luan e Kauan, de 23, 20 e 17, na ordem), ela sabe bem como o amor materno é infinito. Era incapaz de imaginar o sofrimento de uma mulher ao tentar ser mãe e não conseguir.  

Em março de 2019, ela e família foram para uma formatura em Juiz de Fora (MG). Bruna foi com o marido, o fisioterapeuta Arllen Junqueira, primo de Juscelino, direto de Brasília (DF). Evelyny e Bruna se conheceram ocasionalmente na festa. Após um tempo, o irmão de Juscelino, Samuel, também policial penal, precisou ir para Brasília. Hospedou-se na casa de Arllen e lhe questionou o motivo de não ter filhos. Disse que ele a esposa tentavam há oito anos, mas não conseguiam. Bruna ouviu do médico: ou você adota ou opta por alguém gerar pra você. Da sua barriga não vai sair neném! Quem, que há anos batalha para engravidar, deseja ouvir essas palavras? Ninguém, nem mesmo Samuel que, inconformado, começou a questionar como poderia contribuir. Ligou para Evelyny e Juscelino e perguntou se eles aceitariam ser o casal solidário. A resposta foi um simples e encantador sim, sem demora, medo ou tabu. A partir dali, dois sonhos seriam realizados: ser barriga solidária e ser mãe. Uma verdadeira junção de expectativas e emoções! 

Mas, para Bruna e Arllen pegarem o filho nos braços, todos os envolvidos vivenciaram longas e dolorosas etapas. Evelyny passou por consulta e exames em Brasília a fim de atestar se estava apta para gerar o bebê. Confirmada! Saudável! Logo, o médico entrou com pedido de consentimento de gestação de substituição no CRM (Conselho Regional de Medicina). Sim, o procedimento precisa ser aprovado. A Resolução 2.168/2017 do CFM (Conselho Federal de Medicina) aponta os critérios para análise. O primeiro deles é o empecilho da gestação. Ok, a espessura do endométrio de Bruna era insuficiente para gerar um bebê. O segundo refere-se à cedente temporária, que deve pertencer à família de um dos parceiros e ser até o quarto grau (mãe, irmã, avó, tia ou prima). Evelyny não era parente nem de Bruna nem de Arllen, mas sim Juscelino. Por conseguinte, foi preciso solicitar um parecer especial. Além disso, diversos documentos foram assinados pelos envolvidos, como o termo de consentimento para registrar a vontade de todos. A declaração é de suma importância, porque o arrependimento dos pais solidários é psicologicamente comum. No Brasil, barriga de aluguel é considerada ilegal. A cessão do útero deve ser voluntária e não envolver nenhuma forma de remuneração. Um ponto a ser considerado é a falta de leis. “Não temos nada na legislação brasileira que fale de barriga solidária”, afirma Juscelino. Sem rigidez determinada, a lacuna legal abre brechas e causa insegurança, tanto aos pacientes quanto aos profissionais. 

O quarteto “foi do céu ao inferno” em pouco tempo. Na mesma época em que recebeu parecer favorável, a pandemia do coronavírus ganhou força e impactou diretamente o andamento do processo. Os embriões estavam em uma clínica em Ribeirão Preto (SP) e foram transportados para Brasília, onde foi feita a transferência. Em pouquíssimos dias, um susto daqueles. Bruna e Arllem sofreram um acidente automobilístico gravíssimo. O carro ficou acabado, mas eles conseguiram sobreviver. Se morressem, não saberiam que seriam pais, pois Evelyny já estava grávida. A tão almejada gestação aconteceu! O bebê estava a caminho! Uma festa para todos! 

Foi uma gravidez de risco desde o início. Evelyny é portadora da Síndrome de May-Thurner, condição rara da compressão da veia ilíaca que aumenta os riscos de incidência de trombose. “Nós e os médicos pesquisamos e não tinha nada falando que uma paciente de May-Thurner engravidasse. Meu caso foi o único na época da (filha) Ágattha” explica Evelyny. Durante a gestação, ela tomou injeção de enoxaparina todo dia na barriga. Foram 220 aplicações ao total. Devido ao uso do medicamento, não poderia engordar, pois correria o risco de ter um parto prematuro. Mesmo assim, ganhou peso e precisou emagrecer. Outra ameaça a ser evitada era de entrar em trabalho de parto. Ela já havia gerado duas crianças através de cesárias e, por isso, o perigo de rompimento do útero era grande. A gravidez foi completamente diferente das outros filhos. “Para descer um degrau, por exemplo, olhava três vezes até ter certeza de que meu pé iria pisar no chão. A responsabilidade foi muito maior”, justifica. A tecnologia foi ferramenta chave durante o período. Os pais biológicos moravam em Brasília e os solidários aqui. Cada novidade era compartilhada em um grupo no Whatsapp. “A cada acontecimento, fazíamos videoconferência”, afirma Bruna, que enviava áudios para que o filho se familiarizasse com a voz dela. 

O dia tão esperado chegou. Davi Lucca nasceu no Mário Palmério Hospital Universitário às 10h de 27 de agosto com 3,385 kg. O parto foi acompanhado de perto por Juscelino, Bruna e Arllen. A emoção tomou conta do centro cirúrgico, afinal era o primeiro parto realizado em Uberaba por meio de uma barriga solidária. Davi saiu da barriga de Evelyny e foi direto para os braços de Bruna, para que os dois tivessem contato pele a pele. “Senti um amor indescritível acompanhado de uma gratidão eterna”, relata Bruna. Para ela, não foi fácil ter um filho por substituição de útero. Ainda assim, valeu cada esforço. “Se o seu desejo é real, puro e verdadeiro tem que lutar por ele”, aconselha. Por fim, ela define o que é ser mãe: - É ser completa, doar-se por inteiro e entender que seu coração pulsa fora do peito. A trajetória do quinteto – agora com Davi Lucca – entrou para a história da medicina na cidade e vai virar livro, escrito por Juscelino e pela professora Walda Bocate. Ele e a esposa ainda pretendem ajudar, com informações e apoio, quem também deseja vivenciar a mesma experiência. É solidariedade, em todas as suas formas.


Quarteto com Ághatta, filha mais nova de Juscelino e Evelyny


Arllen, Bruna, Evelyny e Juscelino no hospital minustos antes do parto


A tão desejada hora do parto


Momento único - primeira vez que Bruna sentiu o filho


Cumplicidade no olhar


Davi Lucca é o primeiro bebê a nascer em Uberaba através de barriga solidária