Por Lis Oliveira


Você já ouviu falar sobre um tal de café especial, que tem aromas e sabores distintos, tal como os vinhos? 

Você sabe dizer a diferença entre um café preto popular (desses que encontramos na maioria dos supermercados), um café gourmet e um café especial? 

Assim como acontece com vinhos (ou frutas), cada etapa do processo produtivo vai interferir em certos aspectos nas características (corpo; aroma; sabor) da bebida – o solo, clima, colheita, seleção e preparo (entre outros detalhes) são, portanto, determinantes no resultado ou experiência sensorial que é a degustação do café. 

No Brasil é comum, nas lavouras tradicionais, por exemplo, que se colha tanto frutos verdes como maduros, de uma só vez, quando o ideal é que extraiam-se apenas os que estiverem maduros – o que faz todo o sentido, já que a maioria das frutas é indicada para o consumo somente quando maduras, não é mesmo? Depois de colhidas, é comum que haja imperfeições nestes frutos e “defeitinhos” na própria semente, que é o que torramos. No processo de seleção dos cafés especiais, estas imperfeições (que influenciam numa torra mais homogênea, por exemplo) são separadas, como um subproduto – os melhores grãos, selecionados manualmente, serão transformados em cafés especiais. Os grãos defeituosos e suas impurezas (cascas; pedacinhos de galhos) também são comercializados, no entanto, para camuflar suas imperfeições, são torrados “além da conta”, virando aquele tradicional café popular. 

Então, basicamente, os diferentes tipos de cafés são determinados nesta separação dos grãos perfeitos dos grãos defeituosos e com impurezas naturais decorrentes do processo de produção, aquele resíduo do “fundo da peneira”. Somente os grãos perfeitos puros e sem impurezas trazem o potencial de proporcionar notas sensoriais do local onde foram produzidos. 

São características do café comum: cor bem escura ou preta. As impurezas e resíduos trazem muito amargor à bebida. Corpo: é mais ralo e raramente notamos a presença dos óleos essenciais em sua superfície. Apresentadas tais características, somando-se ao costume cultural, a maioria das pessoas vai acrescentar açúcar ao café – outro “erro”! Açúcar e adoçantes são mais uma ferramenta de camuflagem de um sabor inadequado aos melhores paladares. Não vamos entrar nos méritos da redução do consumo do açúcar na nossa rotina, porém, convenhamos, saiba que nenhum apreciador do verdadeiro café especial vai de forma alguma adoçar o seu café, afinal perderia todo o seu valor! 

Uma pesquisa recente mostrou que pelo menos 30 mil mulheres estão à frente dos negócios cafeeiros no país – no campo; na pesquisa; na busca pela qualidade; fechando negócios; no controle de qualidade; fazendo café com sustentabilidade; na comunicação; fazendo história e apresentando o café para o mundo! Para além de todo o processo produtivo e estudo, temos ainda todo um acolhimento até culturalmente proporcionado por mulheres que vivenciamos em aconchegantes e tradicionais cafeterias como a Coffee Coffee, mais conhecida como o Café da Mara, no centro de São Lourenço, no Sul do estado. Um exemplo de estabelecimento que tornou-se cativo tanto entre moradores quanto para os turistas, por conta de suas delícias e bom atendimento! 

Tive a alegria de acompanhar um pouco a trajetória das irmãs Laura e Luiza Mendonça, de Três Pontas, que após uma temporada de reencontro com sua origem familiar na Itália, entenderam o quanto poderiam contribuir e elevar o padrão da produção da fazenda da família, idealizando um café feminino, que refletisse a delicadeza, o zelo, a ternura e ao mesmo tempo a fortaleza da mulher: De muito estudo, empenho constante e cumplicidade admirável de duas irmãs super criativas, nasceu o Beato Café – palavra muito utilizada na Itália para significar plenamente feliz e abençoado, trazendo ainda toda a religiosidade tão presente nesta família de cafeicultores. Bisneta de italianos que vieram em 1930 para trabalhar nas lavouras de cafés do Brasil, Inês da Vinci continua a história, que também foi dos pais, produzindo cafés especiais nas cidades de Carmo de Minas e Lambari, nas serras da Mantiqueira. A fazenda, o café e agora a cafeteria na cidade turística de São Lourenço, levam o nome da família da Vinci, carregando toda uma cultura e tradição que enchem de significado a experiência do consumidor. Inês integra ainda uma associação de mulheres, a AMECAFE. 

Outra história inspiradora que cruzou o caminho desta entusiasta por cafés que vos fala foi a da Daniele Alkmin, 5ª geração de produtores de uma família que está no mundo do café desde 1892. Ela é Q-Grader desde 2016, Cofundadora e CEO do selo Agrorigem by Woman, criado para identificar os lotes produzidos por cafeicultoras. O maior interesse é destacar, potencializar, incentivar e acelerar o trabalho das mulheres no Agro. Daniele chamou a minha atenção porque, pasmem, foi representar o Brasil no Festival Internacional de Cafés da Finlândia, país onde morei e por isso fiquei com uma inveja santa! Os finlandeses consomem impressionantes 12 KG de café per capita ao ano! Produtores de café, tenham a Finlândia em seu radar! Daniele participou em 3 painéis: Mulheres na Cadeia do Café; Diferentes Culturas do Café e Café e Sustentabilidade. Além disso, seguiu ainda para o Festival de Café de Tallinn, na Estônia, logo depois, esta cidade que leva o maior número de startups per capta do mundo – um ecossistema de sucesso onde o governo investe muito em inovação. 

A Revista Mulheres esteve presente no Summit Empreendoras do Café 2023, um evento voltado para a cadeia do café com o objetivo de promover a inovação e a transformação através de conhecimentos, conexões, oportunidades e visões de negócios em uma imersão com nomes expressivos do mercado. Idealizado e realizado pela Associação Mulheres Empreendedoras do Café de Santa Rita do Sapucaí, na região da Mantiqueira de Minas, o Summit evidencia a força do trabalho das mulheres que já atuam de forma tão potente no cenário do café. Foram diversos painéis, palestras, experiências de imersão e, acima de tudo, troca de experiências, para uma evolução conjunta e protagonismo futuro! 

Dentre os mais diversos especialistas em café, sua produção, preparo e comercialização, influencers e grandes inspirações, conhecemos Vanusia Nogueira, Diretora Executiva da OIC – Organização Internacional do Café. A OIC é o principal organismo intergovernamental para o setor cafeeiro e reúne governos de nações exportadoras e importadoras para enfrentar os desafios da cafeicultura global por meio de cooperação internacional. Com mais de 20 anos de experiência no setor cafeeiro, Vanusia é uma das maiores referências do mercado nacional e internacional, sendo a primeira mulher a assumir a liderança da OIC. Além disso, ela tem vasta experiência em temas como geração de renda para pequenos produtores, sustentabilidade e fortalecimento da instituição. Sua entrevista ao vivo foi muito informativa! 

Minas Gerais é hoje o maior produtor de café do Brasil. Segundo a Embrapa (2017), o estado representa 54,7% da produção nacional e 54% (2021) do faturamento do café vendido pela nação. Empreendedoras que adentram este universo têm muito mais em comum do que podem aparentar, como bem descreve Fabiane dos Santos, proprietária do Cheirin Bão de Uberaba: “Como para toda Goiana, o café é intrínseco aos agrados e reuniões de família e amigos. Desde criança sou apaixonada pelo ritual do café observando a satisfação da minha avó materna em servir o seu cafezinho como um presente imaterial.” 

Experiência muito semelhante é descrita por Flavia Correia Pereira, engenheira de alimentos e no mercado há 18 anos, hoje à frente da Cafeteria Mais 1 Café: “O café sempre fez parte do meu dia-a-dia; por costume familiar tomei gosto pela bebida. O paladar brasileiro já consegue identificar no café uma bebida que pode trazer uma experiência incrível!” 


A Lenda do Café 


Reza a lenda que o café foi descoberto no século IX, nas terras altas da Etiópia (Cafa e Enária – Cafa pode ser a responsável pelo nome café, há cerca de mil anos). A história conta que um pastor chamado Kaldi notou que as cabras ficavam mais ativas quando comiam os frutos de certa planta. Quando ele decidiu provar destes frutos, também se sentiu com mais energia. O pastor levou alguns destes frutos a um monge, que começou a utilizá-los na forma de chá, ao descobrir que esta bebida o ajudava a resistir ao sono durante os períodos de meditação e oração. Esta descoberta se espalhou depressa por vários mosteiros, criando uma procura pelo café. Evidencias mostram que o café foi cultivado pela primeira vez em monastérios islâmicos, no Yemen.


Laura e Luiza - Irmãs que assumiram a fazenda da família e hoje produzem o Beato Café


A diferença entre os grãos de café


Mara Poeta - proprietária da cafeteria Coffee Coffee


Empreendedoras do café


Daniele Alkmin 


Inês DaVinci - proprietária da DaVinci Cafeteria e esta colunista