Colunista Marcos Moreno 




Promotora de Justiça do Estado de Minas Gerais, atualmente exercendo as funções na 1ª Promotoria de Justiça de Uberaba, ex-membro do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, Mestre em Ciências Jurídico-Ambientais pela Universidade de Lisboa e pós-graduada em Direito Penal pela Universidade Anhanguera/UNIDERP, Monique Mosca Gonçalves também é professora de cursos preparatórios para carreiras jurídicas e autora da obra Dano Animal, recentemente lançada pela editora Lumen Juris (2020). Seu trabalho no que diz respeito à proteção animal tem sido motivo de comemoração e de esperança para protetores da causa, como também colocado a cidade de Uberaba (MG) rumo a um importantíssimo pódio de premiação pelo exemplo de cuidado e respeito por esses seres sencientes que, assim como os humanos, se encontram em um contexto planetário jamais experimentado. A segurança que o conhecimento e a dedicação são capazes de trazer a uma pessoa são inequívocos em cada palavra de suas respostas à entrevista gentilmente concedida ao Moreno Pet Blog. Dra. Monique Mosca Gonçalves faz a gente acreditar que sim, podemos viver em um mundo melhor.


“As ações humanas destrutivas do meio ambiente e cruel para com os animais, cedo ou tarde, produzem efeitos perversos contra a própria espécie humana. O novo coronavírus é um claro exemplo disso”


Tem sido motivo de muita satisfação, especialmente entre as pessoas que gostam muito de animais, o trabalho realizado pela Promotoria de Justiça através de você no que diz respeito à proteção animal. O quão importante é o trabalho com animais na questão ambiental, que é tão abrangente?

O tema da proteção dos animais ganhou muita visibilidade nos últimos anos, o que representa uma evolução moral e civilizacional da sociedade contemporânea, fruto do despertar para a condição senciente dos animais e a consequente noção de dignidade. Para nós, seres humanos, o reconhecimento desta condição exige a observância de um dever de respeito e de proteção, especialmente considerando a natureza vulnerável dos animais, que não têm voz para postular e defender seus interesses mais básicos. Essa mudança de concepção alterou a visão ambientalista anteriormente predominante, cujo foco era destinado à proteção das espécies e do equilíbrio ecológico, com uma proteção indireta aos animais. Agora, os animais são considerados na sua individualidade, na sua condição de seres capazes de sentir dor, fome, frio, alegria, afeto, etc., e essa condição torna necessária uma proteção essencialmente individual, voltada para os seus interesses fundamentais, como vida e integridade psicofísica.


Tenho evidenciado no trabalho que faço em algumas mídias, como essa, por exemplo, os avanços de ações pela causa animal em Uberaba. Qual é a participação e/ou envolvimento da Promotoria com essas ações?

O Ministério Público tem papel fundamental na proteção dos animais, uma vez que se trata do principal órgão incumbido pela Constituição da defesa dos interesses coletivos e difusos, como a questão ambiental. Em razão desta vocação, é que o Ministério Público tem buscado atuar em Uberaba, em esforço contínuo e cooperativo com o setor público e privado, para a implementação de políticas públicas em prol dos animais.


Como pode ser feito um controle populacional de animais de rua?

A questão do controle populacional de animais de rua é um tema de fundamental importância no Município de Uberaba, em razão do enorme quantitativo de animais errantes no meio urbano. Para tanto, o Ministério Público e o Município firmaram uma parceria, na qual, em linhas gerais, o Município se comprometeu a implementar a política de controle populacional ético de animais de rua, mediante a castração cirúrgica em massa de cães e gatos, além do registro, da vacinação e da realização periódica de campanhas de adoção. Em complemento, deverão ser fortalecidas as ações de combate e punição do abandono. Por parte do Ministério Público, foi realizada a doação de um castramóvel, que já se encontra em poder do Município.


As pessoas comentam que as ONGs estão superlotadas. Qual o papel das ONGs no trabalho de controle populacional?

A sociedade civil organizada é um importante braço do controle populacional, uma vez que, especialmente em Uberaba, são as ONGs que acolhem os animais de rua e realizam os programas de adoção. Contudo, a experiência já demonstrou que acolher os animais em abrigos não é suficiente, uma vez que as instituições não têm capacidade de dar o atendimento para todos os animais necessitados. É preciso que haja investimento em educação e efetiva punição contra o abandono, uma vez que a absoluta maioria dos animais que sofrem nas ruas foram abandonados por tutores negligentes e irresponsáveis.
Saúde humana, saúde animal … Essas questões podem ser vistas distintas uma da outra?
A pandemia de COVID-19 é um grande exemplo da impossibilidade de se tratar separadamente saúde humana e saúde animal, uma vez que a ciência já demonstrou que a sua origem está diretamente relacionada com a problemática ambiental e a forma de tratamento dos animais. Por isso, a palavra de ordem do momento é saúde única, que constitui o modelo de abordagem que contempla os três objetivos de forma integrada: saúde humana, saúde animal e saúde ambiental.


Houve um aumento considerável de abandono de animais por causa da pandemia de Covid-19. Onde estão os maiores focos dessa situação?

De fato, os dados oficiais mostram um aumento não apenas do abandono mas da ocorrência de maus-tratos durante a pandemia. Esse fenômeno relaciona-se com o isolamento social e a maior permanência das pessoas no domicílio, o que, por sua vez, gerou o aumento de violências no contexto doméstico em geral, especialmente contra mulheres, crianças e animais. Os órgãos de repressão precisam estar atentos para a efetiva punição contra tais atos criminosos.


Todas essas questões dizem respeito a animais domésticos. E os silvestres? Como está a situação do Bosque de Uberaba, por exemplo?

Por determinação do Poder Público no enfrentamento da pandemia, o Parque Jacarandá ainda se encontra fechado para a visitação pública. Contudo, o Ministério Público tem atuado junto ao Município para garantir o bem-estar dos animais que lá se encontram. Para tanto, foi firmada, por exemplo, uma parceria com o Hospital Veterinário de Uberaba – HVU - para dar atendimento especializado aos animais. Além disso, há aproximadamente um ano, o Ministério Público e o ente municipal celebraram um acordo que dará uma nova conformação estrutural ao Zoológico. A curto prazo, o Município se comprometeu a realizar a reforma estrutural e funcional do estabelecimento, privilegiando os objetivos de incremento do bem-estar dos animais e educação ambiental. A longo prazo, será conferida uma nova destinação ao local, com a extinção do paradigma de aprisionamento e exposição dos animais. A escolha dessa mudança paulatina se deve à condição dos animais que se encontram no local, já que muitos são idosos e, infelizmente, não existem muitas opções de encaminhamento, de forma que a transferência imediata poderia ser prejudicial ao próprio bem-estar dos animais.


Há denúncia de práticas consideradas esportivas acontecendo em Uberaba que expõem e maltratam animais?

Muitas práticas esportivas que impõem intenso sofrimento aos animais, a exemplo do rodeio, ainda são consideradas lícitas, de forma que, neste âmbito, cabe apenas a fiscalização do cumprimento das exigências normativas. Contudo, felizmente, a conscientização social tem evoluído, bem como a tutela jurídica. No último mês de julho, por exemplo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou inconstitucional uma lei municipal de Bauru que autorizava a realização de prova de laço, com a derrubada de animais e a utilização do sedém (peça que faz com que o animal corcoveie repetidamente), considerando a prática como cruel e, portanto, proibida pela Constituição Federal. Trata-se de uma tendência na jurisprudência brasileira.


Parece que ainda há uma cultura forte na região de se criar aves em gaiolas. Isto é criminalizado?
A criação de aves silvestres em cativeiro está sujeita a condições estabelecidas na legislação, especialmente o sistema de controle por anilhas. A captura e o cativeiro irregular de animais silvestres são considerados crime ambiental. Infelizmente, trata-se do crime ambiental de maior incidência na região, o que exige especial atenção por parte dos órgãos de fiscalização e de repressão, uma vez que se trata de conduta extremamente nociva ao meio ambiente e aos animais. É preciso, especialmente, investir em educação para a conscientização pública de que lugar de animal silvestre é na natureza e o aprisionamento de seres que nasceram para voar é ato cruel e criminoso.


Em relação à caça, essa prática ainda é permitida?

A caça de animais silvestres é uma prática vedada, como regra, pela Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5197/67). Contudo, há um movimento político recente para tentar flexibilizar essa proibição e também houve a ampliação da caça do javali, com a flexibilização da normativa do IBAMA, o que tem provocado a expansão da caça ilegal de animais silvestres, já que os caçadores por vezes não se limitam à espécie permitida e acabam matando outros animais, inclusive espécies ameaçadas de extinção. Também há o problema da utilização de cães para a caça de javalis, que pode implicar em maus-tratos em razão das lesões provocadas nos embates. Denúncias contra estas práticas têm se tornado cada vez mais comuns na região.


Toda essa atenção voltada para os animais é algo que vem crescendo, eu diria. Lembro que quando criança existia o que poderia chamar de incentivo à pratica de matar passarinhos. Você acha que as pessoas estão mais conscientes?

Sem dúvidas houve uma mudança de concepção e a tendência é que essa conscientização venha a se fortalecer cada vez mais, já que o respeito aos animais é parte da evolução civilizatória da sociedade e, neste âmbito, não se admite retrocesso.


Pelo o que pude perceber em minhas últimas entrevistas, Uberaba poderá vir a ser um exemplo de trabalho de Proteção Animal?

Pelos projetos e ações construídas nos últimos anos, Uberaba pode realmente se tornar um modelo de proteção dos animais, mas ainda há muito espaço para evoluir. O mais importante, hoje, é que Uberaba conta com uma rede de atuação na questão animal, que integra a Administração Pública municipal, através da Superintendência de Bem-Estar Animal, a representatividade na Câmara Municipal, através da vereadora Denise Max, a sociedade civil organizada, o Hospital Veterinário de Uberaba – HVU, além de Ministério Público, Polícia Militar do Meio Ambiente, Corpo de Bombeiros Militar, dentre outros. É essa atuação em rede que tem possibilitado o atendimento completo aos mais variados casos e a criação de leis, programas e políticas públicas em prol dos animais.


Você concorda que as pessoas estão sempre falando em “um mundo melhor” para os humanos, mas raramente em um “ser humano melhor” para o mundo?

São duas questões indissociáveis. Tanto a saúde como o bem-estar de nós seres humanos andam de mãos dadas com a saúde e o bem-estar dos animais e o equilíbrio ecológico. As ações humanas destrutivas do meio ambiente e cruel para com os animais, cedo ou tarde, produzem efeitos perversos contra a própria espécie humana. O novo coronavírus é um claro exemplo disso.


Sempre peço ao meu convidado para deixar uma mensagem para os seguidores do blog. Gostaria uma mensagem sua.

Agradeço pelo honroso convite e quero, em especial, parabenizar os uberabenses, que são os verdadeiros responsáveis pela evolução na questão da proteção dos animais.