Mais tempo em casa, maior risco de violência doméstica e feminicídio

Jornalista Isabel Minaré

 

“Tem gente esperando você chamar para ir logo ajudar. Tem apoio no 180, tem polícia no 190. E se não quiser chamar... Deixe que outro chame em seu lugar.” (COSTA e PETTINELLI, 2020, p. 24, e.3)

“Enfraquecida, rasgada, trêmula, ela gritou ajuda e correu. Foram tantas agressões pelo corpo que nem sabia como dava conta de se mexer ... O desespero não a fez abandonar o papel de mãe: agarrou os três meninos, inclusive o de colo, e saiu em debandada”. Essa é mais uma história de violência doméstica contra a mulher. É um caso, entre tantos outros, recebido no Centro Integrado da Mulher (CIM).

No dia 7 de agosto, a Lei n. 11.340/2006, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha - criada para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher - completou 14 anos.  Como forma de marcar a data, a campanha Agosto Lilás foi promovida em todo o País para advertir a população sobre prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher.  Cinco feminicídios (sendo quatro consumados e um tentado) foram registrados até o começo de setembro. A mesma quantidade corresponde a todos feminicídios de 2019. É um número alto e alarmante.

De março a setembro de 2020, o CIM registrou 618 atendimentos contra 727 no mesmo período do ano passado. Segundo a gerente da Unidade Social, Juciara Moura, o volume menor não é motivo para comemoração. Isso porque há muitas subnotificações.  “Os números presenciais no serviço diminuíram, mas a procura por informações ampliaram, via telefone ou mesmo pelo tridígito 180, que teve aumento de quase 40%.”. O perigo também mora nos casos de fora das estatísticas. O isolamento social faz muitas mulheres ficarem em casa com seus supostos agressores. Muitos gritos por socorro não foram ouvidos nem registrados.

As mulheres agredidas podem procurar o CIM, onde há equipe psicossocial para proporcionar acolhimento, orientação e mecanismos de proteção. Ele oferece encaminhamento para diversos serviços, como os prestados pelo CAISM, Defensoria Pública, COHAGRA, CAPS AD e CRAS. A Secretaria de Desenvolvimento Social lançou o Plano Municipal de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher para potencializar ações já realizadas pelo CIM como aumentar a rede efetiva de apoio e efetivar outras pautadas nas diretrizes da Política Nacional de enfrentamento à violência, como desconstruir a cultura machista, capacitar e inserir as mulheres no mercado de trabalho.


Juciara alerta para a existência de subnotificações. Foto: Marco Aurélio Cury - PMU


Coletivo para acolher vítimas

“Tem quem julgue; Marias não. Agora mulheres são todas Marias, Marias que dão as mãos.” (COSTA e PETTINELLI, 2020, p. 18, e. 1-2.)

Para contribuir na mudança dessa triste realidade, a jornalista Juba Maria criou o coletivo INANA. O nome é inspirado na deusa suméria homônima representante da “transformação quando enfrentamos nossas próprias sombras e a união entre mulheres para o despertar da força que todas temos”. Antes da pandemia, o grupo realizava visitas às casas de mulheres em situação de violência, promovia cursos e outras atividades. Atualmente, ele conecta mulheres com serviços públicos ou particulares gratuitos e promove palestras online. 

Após a agressão, as mulheres necessitam de acompanhamento psicológico individual e muito, muito apoio. “Precisam se sentir amadas, queridas, admiradas, pois guardam um profundo sentimento de culpa e inferioridade que precisa ser trabalhado”, destaca a coordenadora. Um dos objetivos do projeto, que em breve será formalizado em associação, é oferecer acolhimento físico para mulheres e seus filhos.

Por que denunciar e buscar ajuda? Não, Juba propõe mudar os questionamentos. “Por que a sociedade não denuncia a violência que vê sendo praticada? Por que ainda não somos capazes de ajudar de fato as mulheres em situação de violência? Juntos somos todos responsáveis e temos a obrigação de agir.”


Coletivo INANA trabalha para acolher mulheres vítimas de violência doméstica.
Foto: arquivo pessoal


Poesia para romper ciclo violento

“E estes versos existem por causa dela - Maria da Penha Maia Fernandes, a Maria da Penha. Maria que inspira, que ensina, que lidera.” (COSTA e PETTINELLI, 2020, p. 42, e. 1-2)

A trajetória emblemática da Maria da Penha, da dor pela violência praticada pelo marido dentro da própria casa, foi o estímulo para o e-book “Um ano de Marias – em poesias”, das autoras Thaísa Pettinelli e Valquécia Costa, com fotografias de Charles Rodrigues e Cibele Freitas.

Valquécia também foi vítima de violência doméstica e, por sugestão do psicólogo dela, resolveu externar o sofrimento. Ela fez da escrita um ato de resistência e um recurso na luta pelos direitos femininos. “Enquanto uma “Maria” estiver sendo violentada, eu estarei sendo atacada. Quando uma “Maria” se liberta, eu sorrio junto com ela. Quando uma “Maria” morre, morre um pouco de todos nós”, esclarece, para iluminar o sentido do trabalho.

O e-book mistura poesias, datas importantes sobre os direitos das mulheres e fotos que retratam a mulher no início, meio e fim (superação) de um relacionamento abusivo. Escrito e lançado na quarentena, ele foi aprovado pela própria Maria da Penha. Por e-mail, ela “se mostrou muito feliz e sensibilizada, além de agradecer pela homenagem”.

“Um ano de Marias – em poesias” é encontrado no site Amazon por R$ 15,00 e pode ser lido no aplicativo gratuito Kindle. Metade da renda obtida com a venda é destinada ao Programa Mãos Estendidas (PME), com foco na violência de gênero, no acolhimento psicossocial e no atendimento jurídico e grupos de apoio.


“Maria... Nunca sem esperança! Olhe adiante, acredite com confiança.” (COSTA e PETTINELLI, 2020, p. 33, e. 5)


Livro de Valquécia inspira a traçar um caminho sem violência. Foto: arquivo pessoal


Os trechos foram extraídos do e-book “Um ano de Marias – em poesias”.


Siga a Revista Mulheres no Instagram e no Facebook